O ANJO

 

 

 
            O anjo Gumercindo esvoaçava rapidamente por entre as nuvens delicadas. Dirigia-se ao Jardim das Maravilhas, onde nunca se cansava de ir, pois era o local do céu que considerava o mais belo. Era um sítio cheio de coisas extraordinárias! As flores eram feitas de pedras preciosas e as estrelas atapetavam o chão por todo o lado. Quando estava aborrecido, ou se sentia mais cansado, ia até lá e punha-se a apanhar estrelas do chão para uma cestinha que levava. Depois subia até ao céu e divertia-se a espetá-las aqui e além…

Da primeira vez que contemplara a beleza do jardim, lágrimas de alegria vieram-lhe aos olhos; ali sentia-se sempre bem e nada no mundo o aborrecia.

Mas Deus enviara-o à Terra e foi aí que ele contemplou as misérias dos homens: as crianças a sofrer, a fome, a guerra, a doença… Depois do que viu, não conseguia compreender como Deus continuava a ajudar aquelas criaturas que se destruíam umas às outras e não revelavam um pingo de bondade.

Fora-lhe pedido que julgasse os homens pelas suas acções, que os defendesse perante os céus, que arranjasse motivos para que Deus não aniquilasse toda a raça humana, mas o anjinho apenas vira a maldade nos corações e chegara à conclusão de que os homens não mereciam viver.

Abanou a cabeça tristemente e começou a subir para o céu, desiludido com a criação do seu senhor.

E foi, nesse momento, que ouviu aquele som… Era um som lindo!... Cristalino e puro… Que subia até ao céu como borboletas feitas de ouro. Nesse som, sentiu a beleza da vida, a alegria, a harmonia, a pureza e a inocência. E tocou-o tão fundo no seu coração que começou a chorar de felicidade.

Tornou a descer à Terra. Precisava saber que som era aquele. Seria possível que ainda houvesse esperança para o homem, afinal?

Foi, então, que viu uma criança.

Era pequenina e estava muito suja e maltrapilha. Mas nos seus olhos brilhava uma luz especial e dos seus lábios saía um riso tão puro como o seu coraçãozinho inocente.

Estava sentada à mesa, com os pais, numa casa que não era mais do que uma barraca pobre, mas limpa e asseada. Na mesa, havia apenas um pedaço de pão e uma tigela de sopa que a mãe fizera com os restos de uma couve e água quente. Estava frio e não havia lume, mas o calor das suas almas aquecia mais do que mil fogueiras acesas.

E a família sorria, feliz, pois era noite de Natal, e Jesus ia visitá-los!... A eles, os mais pobres entre os miseráveis…!

Apesar do sono, do cansaço e da fome, a criança queria esperar pacientemente pela visita, pela chegada de um menino também pobre, mas com tanto para oferecer. Colhera uma flor meia seca que encontrara à porta e ia ofertá-la ao menino Jesus, como prenda de aniversário.

O anjinho deixou cair as lágrimas… Lágrimas de vergonha por ter pensado tão mal de quem, mesmo no meio da adversidade e da miséria, encontrava lugar no coração para dar.

Deixou o humilde lar e voltou às esferas celestes, onde era esperado por Deus. A missão estava concluída e tinha, agora, de apresentar os argumentos a favor ou contra a raça humana.

“Senhor”, disse, “vi muita maldade no coração do Homem… Testemunhei a miséria, o sofrimento e a dor, presenciei as sombras, as trevas e o Mal da alma, e, só por isso, a humanidade não merecia existir!...”

A face de Deus resplandecia, serena, silenciosa…

O anjinho continuou:

“Mas aprendi, também, que, no meio das ervas daninhas, pode florir algo tão belo como uma pequena flor… E foi uma criança que me ensinou esta lição… Enquanto na Terra se encontrar a beleza e a bondade nos corações, há sempre esperança para um futuro melhor. É  só preciso ter fé e nunca desistir…”

Deus sorriu, pois já esperava aquela resposta. Tocou ao de leve no anjinho e deixou-o ir descansar da viagem.

Mas Gumercindo não foi descansar.

Esvoaçou para o seu sítio favorito. E, no Jardim das Maravilhas, colheu uma pequena flor com folhas de esmeraldas e pétalas de diamantes. Era de noite, e ele sabia que, algures lá em baixo, uma criança esperava a chegada do Redentor.

Desceu à Terra e foi ter a casa da família pobre. Estava tudo escuro e todos dormiam, e, sem fazer barulho, deixou a sua flor feita de pedras preciosas no lugar da da criança. E quando voltou ao céu, o seu coração ia leve, mas cheio de alegria e paz. No Jardim, depositou a flor murcha do menino, que trouxera – agora o seu maior tesouro –, e, cansado, adormeceu mesmo ali, feliz pela imensa dádiva de amor que uma pequena criança pobre lhe tinha dado.

 

 

 

Professora Sofia Pedro

Comments